A importância da concentração de soda

Quando se quer calcular a quantidade de álcali (soda ou potassa) necessária para saponificar uma determinada quantidade de óleo ou mistura de óleos, o cálculo é objetivo e direto. É um cálculo fundamentado na relação estequiométrica da reação de saponificação, uma reação química. Pode ser feito manualmente, necessitando conhecer o índice de saponificação (IS) de cada óleo ou com o uso das várias calculadoras que existem on-line.

Tendo a quantidade de álcali – vou me referir à soda para facilitar, surge a pergunta: quanto de água devo utilizar para fazer a solução para diluir a soda?

Muitas pessoas nem fazem esta pergunta porque utilizam as calculadoras e as duas principais, já fornecem um valor default.

No Soapcalc é 38% de água como percentagem dos óleos e o da Mendrulandia fornece 28% de concentração de soda.

As pessoas pegam esses valores e saem a fazer o sabão. Acontece que na maioria das vezes estes valores não são os ideais para fazer o sabão. O Soapcalc ainda faz uma ressalva que o seu valor padrão é para quem está iniciando e depois, adquirindo experiência, muda para outros patamares de maior concentração de soda. O da Mendrulandia faz um explicação envolvendo os tipos de óleos e a concentração a usar. O que é ruim é que em ambas as calculadoras estas explicações ficam perdidas no meio das instruções que a maioria não lêem.

O fato é que a quantidade de água é muito importante para a performance do sabão nas propriedades de dureza inicial e tempo de secagem inicial. Inicial porque curva de dureza e secagem ao longo do tempo, ao final se aproximam de um ponto em comum. Se deixarmos um sabão comum por, digamos, 6 semanas, independentemente da quantidade de água que foi usada para diluir a soda, todos terão uma dureza similar e estarão secos igualmente. Agora, se tomarmos a dureza e a quantidade de água presente no sabão na primeira semana, se notará uma diferença grande, significativa. E aqui é muito importante a concentração da solução de soda.

Existem três modos de se expressar a quantidade de soda e água quando se vai fazer um sabão artesanal:

1 – Água como percentagem dos óleos

2 – Razão água : soda

3 – Concentração percentual de soda

As duas primeiras na verdade são modos não científicos de se expressar a concentração de uma solução soluto/solvente. É como expressar medidas de massa/volume como colher de sopa, colher de chá, copos, que tem razões históricas por trás, quando os recursos hoje disponíveis eram raros e caros. Há 20 anos atrás, quem poderia comprar uma balança digital?

O mais correto é expressar como concentração percentual de soda. Explicita a quantidade de soda e água presente em 100g de solução.

Fiz uma tabela para mostrar que a concentração de soda pode ser otimizada de acordo com algumas característica do sabão que se quer fazer, sua composição de óleos, o conhecimento de quem vai fazer, do modo que se quer fazer o sabão e também da interferência de alguns óleos essenciais e aditivos.

Os valores abaixo de 25% e acima de 40% estão assinalados em vermelho porque estão em regiões não recomendada, podendo haver separação de líquidos abaixo de 25% e reação muito rápida acima de 40%.

Os principais óleos saturados também conhecidos como óleos duros (hard oils) são os que contém predominantemente, ácidos graxos saturados na sua composição:
óleo de côco, palmiste, babaçú, palma, manteiga de karité, manteiga de cacau, e o esteárico (ácido graxo)

Os principais óleos insaturados também conhecidos como óleos moles (soft oils) são os que contém predominantemente, ácidos graxos insaturados na sua composição:
óleo de oliva, girassol, canola, soja, amêndoas doce, abacate, semente de uvas, arroz e mamona.

Só vou citar os dois extremos da relação saturados/insaturados. No máximo de 100/zero da relação sat/insat está o sabão de côco 100%., cujo único óleo é o que contém o ácido graxo saturado laurico que pode ser o côco, palmiste e babaçú. O traço deste sabão é muito rápido e a saponificação é exotermica, isto é, gera muito calor. Aqui é preciso trabalhar com uma concentração baixa de soda (mais água) do que o normal, algo abaixo de 30%, o que favorece um maior controle do traço e também pode evitar rachaduras do sabão no molde.

O outro extremo  é o venerado sabão 100% azeite de oliva, cujo único componente é o óleo de oliva, que contém predominantemente o ácido graxo oleico, um monoinsaturado. Muitos fazem este sabão usando o valor default de 28% de concentração de soda na calculadora da Mendrulandia ou 38% de água sobre  % de óleos na calculadora do Soapcalc, que corresponde a 25% de concentração de soda.  Este valores de concentração de soda podem ser enormemente otimizados usando até 40% de conc. de soda.

 

 

Óleos vegetais para sabão – refinados ou não refinados … mito!

Os óleos vegetais mais comuns que são usados para fazer sabão e sabonetes artesanais são os mesmos que são usados na sua cozinha ou nas cozinhas das industrias de alimentos. São usados no preparo dos alimentos e na fritura.
O soja, canola, girassol e oliva são os mais usados nos lares, o côco na cozinha regional e o palma e palmiste na confeitaria, em doces e na fritura industrial.

Todos esses óleos são comestíveis e de alto consumo, os usados na cozinha doméstica, são encontrados nos supermercados e mercadinhos. Por razões mercadológicas devem obedecer rígidos padrões de apresentação do produto. São padronizados para serem comestíveis e completamente atóxicos e apresentados como líquidos claros e transparentes, isento de particulados, sem odor e com elevado prazo de validade.

Para se atingir essa padronização, os óleos e gorduras de origem vegetal necessitam de um processamento específico. A esse processamento dá se o nome genérico de refino.

Os óleos vegetais são extraidos de uma variedade de sementes, frutos e nozes. A preparação da matéria prima se inicia com a lavagem e limpeza, seguido pelo descasque, trituração e condicionamento.
A extração geralmente é feita por meio mecânico, sendo para frutos a destilação e para sementes e nozes, a presagem com prensa mecânica. ou pelo uso de solventes como o hexano que depois é destilado para separar do óleo e é reaproveitado.

Após a extração, para eliminar os ácidos graxos livres (FFA) que são responsáveis pela rápida deteriorização do óleo e os fosfolipídeos (goma) que deixa o óleo pegajoso, é necessário o processo propriamente dito de refino. Existem dois tipos de refino, o refino físico onde se usa a destilação (p ex. óleo de palma) e o refino químico (maioria dos óleos) onde é usado um álcali, normalmente hidróxido de sódio, para neutralizar o ácido graxo livre.

O método tradicional de refino é o químico onde o álcali diluido saponifica os ácidos graxos livres e é eliminado como sabão, na água. Além do FFA também é eliminado os fosfolipídeos, metais, produtos oxidados, etc.

No método físico é necessário uma etapa de degomagem com ácidos, fosfórico ou cítrico (p ex. palma) para eliminar os fosfolipídeos. Abaixo está um esquema bem simplificado do processo de extração com solvente e refino químico.

O óleo refinado, quando aplicável, passa por um processo de branqueamento com material de absorção (argila ou carvão ativo) e pelo processo de desodorização com fluxo de vapor. No processo final tem se o chamado óleo RDB (refinado, branqueado e desodorizado).

Todo o processo de refino dos óleos não altera a sua composição de triglicerídeos, isto é, a composição dos ácidos graxos. Deste modo as propriedades dos óleos continua a mesma e o sabão feito do óleo refinado é o mesmo, quando aplicável, p ex. oliva, ao óleo não refinado. O refino retira as impuresas contaminantes dos óleos como os FFA e os fosfolipídeos e com alguns óleos vegetais não refinados sequer é possível fazer um sabão, caso do canola e do soja e do palma.

É um dos mitos da saboaria artesanal, isso de ter problemas com o sabão feito de óleo refinado, não existe nenhuma restrição de quantidade e tipo, que afetam as propriedades do sabão. Outra lenda urbana é, no óleo cuja extração foi empregado solvente, este solvente estará presente no sabão! Outra, no refino químico se usa produtos químicos (NaOH) e essa soda estará no óleo e daí vai estragar o sabão! O absurdo é que depois é usado a soda para fazer o sabão!

Abaixo uma relação com os principais óleos e manteigas utilizados na saboaria artesanal e o tipo de processamento para a sua purificação. A numeração do processo se refere ao diagrama anterior.

Como se pode ver, em alguns óleos existe a opção do virgem e extra virgem que significa que o óleo são sofre nenhum refino, notadamente é o oliva,  e outra opção são os orgânicos, que significa que no refino não é usado produtos químicos, caso do palma orgânico. Obviamente estes tipos especiais são bem mais caros e de difícil disponibilidade.
Enfatizo novamente, não existe razão para escolher óleos virgem, extra virgem e orgânicos para fazer o sabão. Não existe diferênças entre sabão feitos com estes tipos de óleos e os comuns, refinados.