Hot Process com Agitação Contínua – HPAC

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Na pequena localidade de Fontevraud L’Abbaye, no vale do Loire na França, existe desde 1974 a renomada saboaria artesanal, Savonnerie Martin de Candre. Desde a sua fundação a 40 anos, a saboaria Martin de Candre (MdC) se dedica a produzir produtos da saboaria artesanal de excelente qualidade usando, como eles afirmam, o clássico processo do sabão de Marselha.

O sabão (creme) de barbear da Matin de Candre é considerado o melhor do mundo, eles tem uma linha de sabão de marselha (para limpeza) com oliva, coco e palma,  uma linha que chamam de huile de palme que é feita com oliva, coco e palma e uma terceira huile d’olive, só com oliva e coco.

Todos estes produtos tem um preço premium que varia de 9 a 16 euros para as barras de sabão e o de barbear chega a custar 23 euros um potinho de 50 gramas.

Eles alegam que fazem o processo do sabão de Marselha que é um processo full boiling onde o sabão é lavado com solução salina e a glicerina é retirada. Na realidade a MdC faz um hot process artesanal bem convencional, que usa um agitador mecanico para mexer a massa durante a saponificação e o tamanho do lote é inferior a 25kg. Isso pode ser visto nas poucas fotos no site deles e também de um video reportagem produzido por uma tv francesa.

Mas o que me chamou a atenção foi o procedimento deles de secar durante 8 meses os sabões e por 5 meses o de barba! Intrigante pois no hot process o sabão já sai saponificado e portanto seguro e que uma secagem de 15 dias é suficiente para ter a dureza necessária para um uso duradouro. Um sabão feito por cold process fica pronto para o uso em cerca de 20 dias. Aí vem a pergunta, por que fazer um processo mais complexo, demorado e caro que é o hot process, se posso fazer o cold process, muito mais simples, rápido e mais barato? Afinal se deixar por 8 meses um sabão feito por hot ou cold, teoricamente eles teriam a mesma performance. É claro que o hot process tem a vantagem de poder incorporar componentes sensíveis ao meio alcalino apos a saponificação, o que preserva estes componentes, coisa que no cold process nao seria possível.

Resolvi elaborar um teste para comparar as propriedades de um sabão feito por cold process e o mesmo feito por hot process e também comparar a influência que tem o tempo de secagem na performance do sabão, nos dois processos.

Hot Process com Agitação Contínua – HPAC

Um hot processs artesanal normalmente é feito usando-se como fonte de aquecimento um banho-maria ou uma panela elétrica de aquecimento lento (crock pot), e a massa é homogenizada manualmente de tempos em tempos para possibilitar uma saponificação abrangente.

Para manter o processo mais parecido com o hot process da Martin de Candre, acabei por montar um sistema que chamei de Hot Process de Agitação Contínua – HPAC. Obviamente nao é uma inovação, mas em escala artesanal nao vi ninguém usar um sistema parecido.
Deste modo, de um teste comparativo entre sabões produzidos por dois processos distintos, acabou derivando para a elaboração de um terceiro modo de se fazer um hot process que é o HPAC.

P1030403revEste é o setup do equipamento para fazer o HPAC – um aquecedor elétrico (este é um agitador magnético de laboratório), um agitador mecânico (usado um com controle digital da rotação) e um termômetro digital.

Aqui está um vídeo que fiz que mostra o HPAC para fazer o sabão de benzoim (12 minutos):

http://www.youtube.com/watch?v=wQc9vjrkDdk

Teste dos Sabões

A Martin de Candre na sua linha palma tem um sabão de mel e um de benzoim (Styrax tonkinense), e foram feitos um simlilar a esses para o teste.
A composição de óleos do sabão foi: oliva/palmiste/palma – 60/25/15, SF de 5% e concentração de soda de 30%. O teste comparativo será feito com o de mel e o de benzoim foi feito para confirmar e otimizar o processo HPAC. Não é possível fazer um cold process normal com o de benzoim devido a necessidade de diluir o óleo resina de benzoim com etanol, o que daria o defeito de seizing na massa.

P1030321Na esquerda o sabão de mel feito com HPAC, o outro por cold process convencional.
A cor do col process é escura devido a carbonização de parte do açucar do mel pela soda.

P1030334Os dois blocos de sabão de mel desenformados, de 3,5kg.

P1030342Corte de acabamento da superfície do sabao de mel por hot process com agitação contínua utilizando o Cortador Flex.

P1030344Duas barras de 305 x 80 mm.

P1030351Acabamento do topo da barra.

P1030353As duas barras acabadas nas dimensões de 305 x 80 x 60 mm.

P1030362Corte das barras individuais utilizando o Cortador Flex.

P1030364Corte com precisão do Cortador Flex.

P1030366P1030369P1030374Todas as barras individuais de 80x60x30 mm, 135 gramas.

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Corte do bloco de sabão de mel feito com cold process.

P1030384P1030390Todas as barras do sabão de mel CP, 90x60x25 mm, 130 gramas.

P1030394Os dois sabões que serão utilizados na comparação entre CP e HP.

Sabão de Benzoim feito por Hot Process com Agitação Contínua – HPAC

P1030417Este sabão foi feito para confirmar e melhorar o processo HPAC.

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Savonnerie Martin de Candre: http://savonnerie-martin-de-candre.com/fr/

Sabão de enxofre – uma experimentação

Por muitos anos o sabonete contendo enxofre é reconhecido como eficaz no tratamento de uma variedade de condições de pele, notadamente na redução de acnes. Aqui no Brasil a marca mais conhecida é a Granado, Confiânça em Portugal e Dr. Kauffman nos USA.

Costuma ser oferecido com duas dosagens de enxofre, normalmente 10% e 4% e também com adição de ácido salicílico. Tem testemunhos de pessoas com pele muito oleosa que costuma tomar o banho diário com o de 10% de enxofre. A recomendação no tratamento de acnes severas é desenvolver a espuma e passar essa espuma na região afetada e deixar agir por alguns minutos.

Resolvi tentar fazer este tipo de produto na saboaria artesanal. Na pesquisa que efetuei nada encontrei em lugar algum que tivesse uma referência de como fazer sabão de enxofre no escopo artesanal. Os produtos comerciais imagino que seja uma massa básica de sabão que é adicionado o enxofre e extrussado normalmente.

Uma ressalva, como o título do post diz, essa é uma experimentação que fiz e portanto muitos pontos ainda estão na esfera de experiência e não estão totalmente esclarecidas. Se você quiser duplicar, fica por sua conta e risco.

Cold Process

Optei por iniciar pelo cold process usando as duas dosagens de enxofre, 4 e 10%.
A primeira dúvida, como adicionar o enxofre. Dois modos, ou misturar nos óleos ou adicionar no trace. O enxofre é absolutamente insolúvel na água e com uma agravante, nem sequer é possível dispersar na água, simplesmente não mistura e nem é molhado pela água, fica sempre sobrenadante. Também não é solúvel em óleos, é mais tolerante quanto à molhabilidade, mas não dispersa bem nos óleos.
Escolhi adicionar no trace porque se já é difícil dispersar nos óleos, imagina misturar na massa engrossando no trace.

Depois de 24 horas, no momento de desmoldar, o sabão com 4 % de enxofre estava completamente mole que não era possível manusear e foi preciso esperar 48 horas, mas mesmo assim o sabão continuava mole e assim ficou até o final de 20 dias. A princípio não consegui entender o que ocorreu neste sabão que ficou muito mole e gorduroso, sinal de que não todo os óleos saponificaram.
O sabão de 10% estava normal, com uma dureza razoável e foi possível cortar em seguida.

Este sabão com 10% de enxofre à medida que secava começou a desenvolver manchas nas superfície do sabão. Essas manchas é do pó de  enxofre que migrou para a superfície do sabão.

Essas manchas podem ser removidas com raspagem e elas não tem tendência a retornar.

Este sabão com 10% de enxofre, feito por cold process tem característica boas, tem dureza, faz uma boa espuma e a sua propriedade de limpeza é extremamente alta, apropriada para uma pele muito oleosa, típica de um sabão de enxofre.

O sabão com 4% de enxofre continua mole depois de 20 dias e o interessante é que formou uma camada externa de cor amarelada e o interior adquiriu uma cor marrom bem escura. Essa camada de cor amarelada  é provavelmente óleos que não saponificaram. Isso pode ser por falta de soda que pode ter sido consumida em alguma interação com o enxofre, por mais estranho que possa parecer. Este sabão não deu certo e será descartado.

Clique aqui para fazer o download da fórmula

Hot Process

Alterei a formulação para economizar os óleos caros e fiz uma fórmula bem simples  retirando o óleo de abacate e a manteiga de karité e aumentando o oliva e o mamona. O processo utilizado foi um hot process convencional com uso da panela de cozimento lento (crock pot). A fase gel translúcido foi obtida com 2 horas de cozimento. Dividi a massa, uma parte em um banho-maria e a outra permaneceu na panela de cozimento lento. Nesta do banho maria foi adicionado 10% de enxofre e na outra os 4%.

Em ambos os casos foi muito difícil incorporar o enxofre na massa do hot process. Forma se grumos de difícil dispersão, mesmo adicionando mais água quente à massa.

Neste de 4% de enxofre que foi adicionado na massa que permaneceu na panela, no fundo da panela, onde a temperatura é maior, o enxofre fundiu e formou grumos de cor castanho escuro, típica do enxofre fundido. O enxofre tem um ponto de fusão ao redor de 112° C e forma um líquido de alta viscosidade e de cor castanho escuro.
Os pontos brancos são da massa de sabão que não foi misturado com o enxofre.

Os dois sabões de enxofre por hot process tem boas propriedades em geral apesar do aspecto não muito uniforme, devido aos pontos brancos da massa não misturada com o enxofre e dos pontos escuros devido à fusão do enxofre.

clique aqui para fazer o download da fórmula

Conclusão

Comparando a cor do sabão feitos com os dois métodos é possível inferir que existe uma interação entre a soda e o enxofre no cold process. A cor escura é produto desta interação, o que não acontece no hot process pois a saponificação já ocorreu quando da adição do enxofre e a cor se mantém como a cor natural do sabão, um pouco mais clara devido a própria cor do enxofre. O sabão com 4% por hot process a cor é mais escura comparado com o de 10% pelo mesmo processo porque houve uma pequena fusão de enxofre que tingiu um pouco o sabão.

Essa interação do enxofre com a soda somente é possível se existir um agente redutor que potencializa a reação da soda líquida com o enxofre. Pode ser que haja um redutor na mistura de óleos que possibilita esta reação. É só uma hipótese que carece de uma comprovação

A maior dificuldade está na incorporação do enxofre na massa de sabão de tal modo que fique uma mistura homogênea. Como a solubilidade e a dispersão do enxofre é nula tanto na água como nos óleos e muito dificil obter uma boa mistura. A agravante é que o enxofre tem uma forte tendência a formar grumos de difícil dispersão. Um modo para minimizar é peneirar o enxofre em uma malha fina antes de incorporar e adicionar lentamente, mexendo, se o processo permitir. Outra dificuldade é a fusão do enxofre que gera um líquido viscoso de cor castanho escuro que acaba por contaminar o sabão quando feito por hot process se a temparatura subir demasiadamente.

O sabão com 4% de enxofre por cold process precisa ser repetido para determinar a causa do amolecimento e do excesso de óleos sem saponificar. Posso ter cometido algum erro que me foge à percepção, pois é muito estranho o ocorrido que me fez descartar o sabão.

Fica pendente também a eficácia deste sabão artesanal de enxofre com relação ao tratamento de acnes pois não foi possível até agora fazer os testes.