Entre 22 de maio e 19 de junho de 2013 fiz o caminho de Santiago, o caminho francês, a pé. Iniciando em Saint Jean Pied de Port nos Pirineus franceses, no total de 782 km, até Santiago de Compostela
A caminhada não foi fácil, foi um sofrimento só pelas condições adversas do tempo. Durante três semanas choveu quase todos os dias e a temperatura foi em média em torno de 7° C. Comentavam que desde 1930 nunca o inverno foi tão prolongado e em 20 anos nunca choveu tanto nesta época do ano. Azar meu, paguei todos os pecados e Santiago ficou me devendo!
Esta é a Compostela, o documento emitido pela Oficina de la Peregrinacion – Catedral Santiago, que atesta que o peregrino completou no mínimo os 100 km finais (de Sarria) até Santiago de Compostela.
Traduzindo do latim os dizeres da Compostela:
“O capítulo desta Venerável Igreja Apostólica e Metropolitana Compostelana, guardião do selo do Altar do Bem-aventurado Apóstolo Thiago, que a todos os Fiéis e Peregrinos vindos de todo o Orbe terrestre, por sentimento de devoção ou por motivo de promessa, à morada de Nosso Apóstolo Patrono e Protetor dos Espanhóis, São Thiago, fornece autêntico certificado de visitação, a todos e a cada um que vier examinar esta presente, faz saber que ………………….. visitou devotamente este sacratíssimo Templo por motivo de fé. A ele confiro o presente documento como testemunho, munido do selo desta mesma Santa Igreja.
Data de Compostela, dia … do mês de …. do ano do Senhor …. .
Secretário Capitular”
E no selo do documento está escrito:
“Selo do Capítulo de São Thiago de Compostella”
Esta é a credencial do peregrino que é exigida para a emissão da Compostela que através da Certificación de Paso (carimbos) comprova por onde passou o peregrino ao longo do caminho, no meu caso, o caminho francês.
Meu Caminho de Santiago: reflexão e reminiscências
Agora falar é fácil, depois que tudo terminou e terminou bem!
Mas verdade, inúmeras vezes pensei em desistir, esquecer o caminho, ir para Portugal… principalmente, quando deitado na cama tosca de uma pensão tosca em Pamplona, um dia e noite inteira imobilizado para curar o músculo lateral do joelho esquerdo estirado na descida sofrida e dolorida de Roncesvalle a Zubiri, uma descida de mais de 15 km, íngreme, com pedras, pedras roliças e escorregadias, naquela chuva intensa sem dar trégua e aquele frio de 5 graus.
Quando fui na ACACS – SP (Associação de Confrades e Amigos do Caminho de Santiago de Compostela-São Paulo) em agosto do ano passado para assistir uma paletras sobre o caminho, o que ouvi, da simpática palestrante, foi só as coisas boas do caminhar à santiago. Pesquisando na net, a mesma coisa, só coisas boas e positiva.
Acontece que o caminho tem coisas ruins que podem acontecer ou não, em maior ou menor grau. São coisas que podem acontecem com você, com o seu corpo e coisas que podem acontecem com o caminho, com a trilha.
A mim aconteceu, com o caminho, principalmente, potencializado pelo péssimo tempo de fez. Choveu simplesmente três das quatro semanas, quase todos os dias e quase o dia todo, um frio inesperado de 5 graus e quando melhorava ficava nos 10 graus.
Lembro do difícil primeiro dia que foi a subida de Saint Jean à Roncesvalle, são 20 km de subida, saindo de 170 m até 1100 m pelo caminho de Valcarlos ( o outro caminho, a rota de Napoleão foi orientado pela oficina de Saint Jean a não ser feito devido à neve). Simplesmente um lamaçal só, acho que caí de joelhos umas três vezes com a bota atolada na lama e fazia tanto frio que as gotas de chuva congelavam, viravam gêlo ao cair na sua capa. Quando cheguei após 8 horas em Roncesvalle minhas mãos estavam quase congeladas, não conseguia preencher o formulário do albergue.
Como chovia e fazia frio bem antes de eu iniciar minha caminhada, as trilhas e caminhos em Navarra, e La Rioja, as regiões mais acidentadas e topograficamente variadas, estavam quase intransitáveis tal a situação de barro e lama que tomava toda a trilha.
Comigo, com o meu corpo, felizmente nada de muito grave aconteceu. Não tive nada de bolhas nos pés, nada de dor insuportável nos ombros ao carregar todo o tempo os 10 kg da mochila. Somente um estiramento no músculo lateral do joelho esquerdo que depois de três dias estava curado, mas me fez ficar um dia a mais em Pamplona, imobilizado.
Mas tem uma coisa, com todos acontece, você só não sente mais dores nos pés e pernas depois de uns 15 dias. Durante este tempo a dor sempre vai te incomodar, cada dia é um local dos pés/pernas, um músculo aqui outro lá. Conheci gente experiente, a terceira vez que fazia o caminho, e mesmo com esses, dores por um longo tempo até que vc e seu corpo se acostuma com o esforço repetitivo. Depois que você faz a sua jornada diária, eu fazia em média 25 km por dia, levava umas 5 horas e pouco, e na maioria das vezes fazia non-stop, quando tomava o banho e estirava no beliche, para levantar era um tal de pisar nas pontas dos pés, escorar para não cair, uma dó só.
Os albergues das cidades grandes como Burgos e Leon e também o de Roncesvalle, são ótimos, confortáveis, com estrutura de apoio, cozinhas, comedores, etc. Agora a grande maioria dos albergues das aldeias e vilarejos pequenos são precários, sem muito conforto, com o mínimo para um pernoite.
A alimentação não é problema, por 10 euros (é caro) vc dispõe do menu do peregrino que consiste de um primeiro prato (salada ou sopa ou macarrão) e um segundo principal que pode ser carne ou peixe, uma sobremesa e vinho ou água. Uma alternativa era comprar no mercadinho, frios, pão ou mesmo algo que poderia ser feito na cozinha do albergue, quando este tivesse esta estrutura.
As pessoas que você encontra pelo caminho é o que costumava dizer, na verdade são encontros e desencontros, porque as pessoas vão e voltam, você cruza com elas e descruza com elas. Como fiz o caminho sozinho, sozinho fiquei na maioria do tempo, mas tive a alegria de conhecer a Silvia, italiana e a Nathalie, espanhola, que faziam juntas pela terceira vez o caminho, desta vez a partir de Burgos (elas faziam o caminho do norte mas a chuva e o frio fizeram mudar o rumo e fazer o caminho francês) e também, já na etapa final, conhecei o Humberto, brasileiro, um ótimo companheiro de caminho.
Me perguntam se valeu a pena fazer o caminho, só posso dizer que sim, agora que acabou tudo, mas se perguntam se faria de novo, digo com muita certeza que não, que não faria de novo e também não aconselho ninguém a fazer nas circunstância que fiz.